domingo, 30 de novembro de 2014

Os primeiros transportes públicos urbanos

Marina Tavares Dias
em 
História do Eléctrico da Carris
(edição do centenário, 2001):

«Mas se as viagens de longa duração (nove dias do Porto até Lisboa) obrigavam já, no início do século XIX, ao uso de transportes colectivos, quase tudo estava ainda por fazer, em termos similares, no respeitante à circulação no interior das cidades. O primeiro quartel de 1800 é ainda, em Lisboa, dominado pelo transporte público de apenas dois assentos. A sege e o respectivo boleeiro constituem uma genealogia que ficou célebre na história da cidade. Inicialmente chamada «de colunas» e tirada por um único cavalo, já existia no século XVIII, tendo sofrido algumas alterações ao longo das décadas. A sege «moderna» baseava-se nos modelos ingleses: duas rodas, caixa muito larga, pintada, envernizada e montada sobre quatro molas. Fechava-se com cortinas de coiro engraxado, permitindo aos passageiros espreitar por dois óculos de vidro, abertos na frente. O estribo era subido e impraticável e as rodas altas demais para os solavancos das calçadas alfacinhas. Quando estavam livres para alugar, ostentavam uma bandeirinha bifurcada.»
[continua no livro]




quinta-feira, 27 de novembro de 2014

OS CAFÉS QUE FIZERAM HISTÓRIA DA CIDADE

Marina Tavares Dias em
prefácio de
OS CAFÉS DE LISBOA:

«Não há futuro sem memória. Por isso os antigos chamaram à Memória a mãe de todas as musas. O espaço cercado das cidades actuais, na sua azáfama diária, no seu trânsito caótico, nos seus eixos projectados para a periferia, parece ter consumido, portas dentro, os próprios ecos do passado recente. E os cenários antigos, agora justapostos aos novos hábitos e às novas concepções de espaço, terão perdido o rosto e a forma perceptíveis e primordiais. Ao olharmos para uma fotografia antiga do interior de um café, dos pormenores da sua fachada ou da sua frequência, pouco ou nada saberemos ver do que realmente lá esteve. Essa imagem enganadora está longe de valer as tais mil palavras. Atesta um aspecto incapaz de projectar a sua própria leitura neutra pois, para lá do que ali vemos, existe o que aquilo foi. Num tempo com outras motivações, outros hábitos, outros contextos estéticos, a imagem que resta mostra apenas o óbvio, ou o que hoje se nos afigura como tal.» 

(continua no livro)





domingo, 23 de novembro de 2014

Belém: a zona demolida em 1939






Marina Tavares Dias

em volume V de

LISBOA DESAPARECIDA

capítulo sobre Belém:

«Até ao ângulo oriental do grande conjunto do mosteiro, prolongava-se a Rua de Belém. A sua área desaparecida incluía mais três quarteirões a Sul, uma praça e outro quarteirão a Norte. Os últimos números de polícia são hoje o 128 e o 105. Antes de 1939, continuavam até ao 138 (lado da Confeitaria dos Pastéis de Belém) e ao 167. Todos os andares térreos eram ocupados por lojas. O chafariz abastecedor do bairro estava no centro do Largo Frei Heitor Pinto, a poente do quarteirão onde outrora se erguera o palácio dos duques de Aveiro. Também esse largo desapareceria, sacrificadas que foram as casas do lado ocidental, recolhendo o chafariz - como já vimos no respectivo capítulo - a depósito camarário, sendo mais tarde reconstruído no Largo do Mastro.»

Postal ilustrado fotográfico
de Eduardo Portugal. 1939.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

O CAIS DO SODRÉ OITOCENTISTA

Marina Tavares Dias
em Lisboa Desaparecida
capítulo O Cais do Sodré:

[...] falar do Cais do Sodré é também falar da Lisboa queirosiana – e do seu Hotel Central. Eça refere-o em “Os Maias”, “A Capital”, “O Primo Basílio” e “A Correspondência de Fradique Mendes”. A primeira hospedaria que ocupou o quarteirão com os números 20-27 do largo (antigos números 3 a 11) chamava-se Estrella Branca (c. 1835). Em 1838 fora já trespassada à francesa Madame Lenglet que lhe deu o título de Hotel de France. Com uma sólida fama e um excelente serviço de mesa, o hotel recebeu hóspedes ilustres, entre eles o compositor Franz Liszt, na temporada de 1844-1845. Novamente trespassado (c. 1855), transforma-se no Hotel Central, supra-sumo da possível opulência lisboeta, com as suas ceias elegantes e as suas belas janelas então viradas para o Tejo. O Central foi, na Lisboa da segunda metade de Oitocentos, aquilo que o Avenida Palace viria a ser na Belle-Époque, ou o Aviz no tempo da Segunda Grande Guerra.[...]

[continua no livro]
Fotografia:
colecção Rocchini, c. 1858.





quarta-feira, 12 de novembro de 2014

LAVADEIRAS DOS ARRRABALDES

MARINA TAVARES DIAS
em LISBOA DESAPARECIDA
 capítulo sobre «Os Saloios»:


«[...] Quem deixou a principal referência da iconografia saloia foi uma figura que as estampas representam sempre de trouxa à cabeça: a lavadeira dos arrabaldes. A caravana atulhada de roupa branca, já lavada nas frescas águas das ribeiras mais próximas, chegava a Lisboa pela manhã. Distribuíam-se os fardos e renovava-se a encomenda. Certas estalagens alfacinhas transformaram-se em quartéis-generais do acolhimento ao saloio: A dos Camilos, ao pé da Praça da Figueira, e algumas outras no Poço dos Negros ou na Rua dos Poiais de S. Bento. Eram um misto de taberna, estábulo e casa de pasto [...]» (continua no livro)







domingo, 9 de novembro de 2014

A saga do namoro do final de Oitocentos não tem capítulo dedicado à privacidade






MARINA TAVARES DIAS

em
LISBOA DESAPARECIDA:

[...]
A saga do namoro lisboeta do final de Oitocentos não tem capítulo dedicado à privacidade. Nenhuma rede social da Internet poderá, hoje em dia, expor ao ridículo um namoro, do modo como era exposto, por força das circunstâncias, ainda em 1910. Todos os bilhetes trocados eram entregues a galegos moços-de-fretes, todas as confidências feitas da rua para o terceiro andar eram conhecidas pelos vizinhos e pelo guarda nocturno de giro. Um beijo era calamidade a discutir entre parentes, e a noiva raras vezes sabia do casamento antes dos familiares mais velhos terem acordado a data. 

Vários anos após a proclamação da República, ainda Mário de Sá-Carneiro conota Lisboa com casas escuras, cheiro a alfazema e «parentes que não deixam sair as raparigas». É perante este quotidiano que surge, em 1909, uma Liga Republicana das Mulheres Portuguesas defendendo já a promulgação da lei do divórcio. Entre as pioneiras estão, obviamente, as intelectuais da época, nomeadamente a única mulher que futuramente aparecerá retratada como um dos pioneiros da República: Ana de Castro Osório.
[CONTINUA NO LIVRO]

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

CAMPOLIDE

Marina Tavares Dias 
em volume III 
da 
Lisboa Desaparecida

[...] O Colégio de Campolide, construído na antiga Quinta da Torre, onde morou o guarda-jóias de D. João V. [...] vista do alto da torre em 1906, vendo-se o colégio à esquerda. Entre Monsanto, a ribeira e a encosta de Campolide, apenas se viam hortas e latadas.





segunda-feira, 3 de novembro de 2014

A Rainha D. Estefânia




A 8 de Julho de 1857, dia de Corpus Chisti, Estefânia de Hohenzollern-Sigmaringen terá decidido que casaria com o rei de Portugal. A ideia parece ter partido – e as Memórias do conde de Lavradio apontam nesse sentido – , mais uma vez, do príncipe Alberto de Inglaterra. [.../...] D. Estefânia parecia ser a única princesa católica à altura [...], proveniente de uma casa liberal, habituada como estava a um estilo de vida simples e conhecida que era a sua vocação para o estudo e para a caridade. A fama das virtudes do jovem monarca português [D. Pedro V] chegara [...] a Dusseldorf, sobretudo após a sua arriscada permanência em Lisboa durante o surto de cólera que [...] assolara a capital. [.../...] 
Os pais da princesa, concedendo-lhe opção sobre o assunto [...], não deixaram contudo de regozijar-se pelo pedido da sua mão.

Excertos de 
«D. Estefânia, 
uma Rainha, um Hospital e um Bairro de Lisboa»
em
Lisboa Desaparecida
volume VII
de
Marina Tavares Dias

domingo, 2 de novembro de 2014

OLISIPÓGRAFOS

MARINA TAVARES DIAS

em

prefácio a

HISTÓRIAS DE LISBOA

[...] Mercê do seu estatuto de anfíbio (é preciso não esquecer que muitas zonas urbanizadas da Lisboa actual foram, num passado remoto, rios e esteiros), o olisipógrafo sabe, sobretudo, remar contra a maré. E pouco se importa que as manhas centenárias raramente lhe paguem mais do que uma casa muito pequena, no centro de um bairro popular, riquíssimo de história e ostensivamente desprezado pela Polícia e pela vereação. Hoje como ontem, o olisipógrafo está só, perante o passado e o futuro, com Lisboa aos pés.

Como qualquer outro mortal, também o olisipógrafo é um anão aos ombros de gigantes. A sabedoria que tenta conquistar bebe inspiração no trabalho de milhares de autores, anónimos ou não, que escreveram muito antes de a palavra olisipografia ter sido inventada. Autores de relatos e de relatórios, de escritos e de descrições, de rotas e de roteiros, de registos, de assentos, de escrituras, de notícias curtas ou longas, assinadas ou não. Autores de poesia e de prosa, de ficção e de ensaio, de boa e de má literatura. Autores aparentemente imortais e autores totalmente esquecidos. A todos o olisipógrafo recorre, na sua insana busca de um dado concreto para uma homenagem, para um inventário, para uma simples cronologia. E a todos a seu modo ressuscita – ou gosta de pensar que tal faz – esperando dar-lhes, em troca do apoio prestado, um público de novas gerações, entre os escassos privilegiados que sabem ser a memória a mãe de todas as musas.


(CONTINUA NO LIVRO)


Em baixo:
Júlio de Castilho, 
o «pai» da olisipografia,
na sua casa do Lumiar
(fotografado pelo amigo José Artur Leitão Bárcia)
e
o seu busto no miradouro de Santa Luzia
(fotografado por Marina Tavares Dias)