sábado, 26 de julho de 2014

S. GENS: O MÁRTIR DA SENHORA DO MONTE

MARINA TAVARES DIAS
em
LISBOA DESAPARECIDA,
volume IX:


[...] É a cadeira mais antiga de Lisboa. O único monumento romano que ainda cumpre funções para que tem servido desde tempos anteriores a D. Afonso Henriques. A cadeira de S. Gens, mártir que foi bispo da cidade antes da conversão da maioria dos seus habitantes. Aqui sentado, diz-se, pregava aos seus seguidores, em terreno sagrado hoje quase impossível de determinar, mas que provavelmente se situaria entre as ruas do Forno do Tijolo e da Bombarda (pleno Bairro Andrade actual). Aqui foi sacrificado por sua Fé, sendo desde então a sua cadeira de pedra venerada pelos cristãos lisboetas: desde o domínio romano, passando pela época da conversão do Imperador Constantino, pela invasão moura e pela reconquista. Hoje, no alto da colina e dentro da Igreja de Nossa Senhora do Monte, a cadeira do santo continua a ser augúrio de bom parto. As jovens grávidas vêm aqui sentar-se antes de dar à luz, crentes num «bom sucesso». S. Gens ainda dá sorte aos lisboetas nascidos no século XXI.

(continua no livro)


quarta-feira, 23 de julho de 2014

RUA DO MUNDO

MARINA TAVARES DIAS
em
LISBOA DESAPARECIDA
volume IV: O Bairro Alto.

A ancestral Rua Larga de S. Roque (depois apenas Rua de S. Roque), cujo nome mudou três vezes em menos de um século. Hoje, é Rua da Misericórdia. Mas deveria voltar a ser Rua do Mundo. Dos três grandes jornais matutinos de 1910 que receberam o nome das ruas que então os albergavam, apenas O Mundo, por ser republicano, foi «apagado» pelo Estado Novo da toponímia da cidade. Tanto a Rua do Século como a Rua do Diário de Notícias (que dali se mudou logo em 1940) ainda existem como tal.
O Bairro Alto é, historicamente, a «casa» dos jornais. E daqui mandamos as nossas homenagens à - ainda - próxima e excelente Casa da Imprensa.


 Bilhete postal ilustrado.
Fototipia com cor litografada.
Edição Faustino Martins, c. 1912 sobre cliché da décade de 1900




Sede do jornal O Mundo, no edifício
que hoje alberga a Associação 25 de Abril (AMCL)

terça-feira, 22 de julho de 2014

Estrada de Palhavã

MARINA TAVARES DIAS EM PHOTOGRAPHIAS DE LISBOA




Estrada de Palhavã que, 
após sair deste bairro se chamaria Estrada de Benfica
 e, após as Portas de Benfica,
 se chamaria Estrada de Sintra. 
(postal do 
Arquivo Marina Tavares Dias)


Estrada de Palhavã (actual Rua Nicolau Bettencourt). Bilhete postal ilustrado de Paulo Guedes, c. 1904. Circulado em 1906. Neste tempo, antes de se mudar para a Quinta das Laranjeiras, estava aqui o Jardim Zoológico de Lisboa. Hoje, os mesmos terrenos albergam a Fundação Calouste Gulbenkian, depois de terem sido a primeira Feira Popular de Lisboa.


 Feira Popular em 1943, 
no mesmo local onde estaria até 1956. 
Entrada pelo lado da Avenida Duque de Ávila, 
antiga circunvalação de Lisboa
(fotgrafia ACML)

PALHAVÃ.

MARINA TAVARES DIAS em LISBOA DESAPARECIDA III:





Senhora no Velódromo de Palhavã (fotografia A. Novaes, c. 1915). O velódromo ocupava uma parte do antigo Parque de Santa Gertrudes, dividido em Palhavã pela passagem da futura Avenida de Berna. O local exacto situa-se onde esteve a primeira versão do Teatro Aberto e terrenos em redor.

domingo, 20 de julho de 2014

PARA UMA HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA EM PORTUGAL

MARINA TAVARES DIAS
em LISBOA DESAPARECIDA
volume VII, capítulo sobre
RETRATISTAS DO SÉCULO XIX

«A história dos estúdios fotográficos lisboetas está por fazer. Apesar de lhes devermos as imagens que, durante século e meio, adornaram paredes e atenuaram distâncias, ninguém se lembrou de registar a maior parte desses nomes e dessas moradas. Actualmente, após o desaparecimento de todos os ateliers de retrato que marcaram uma era na cidade, torna-se difícil recuperar a obra e a memória de quem fixou para o futuro o rosto e a pose dos lisboetas de antanho. Resta uma parcela ínfima de cada obra, hoje dispersa por arquivos, alfarrabistas, museus e álbuns de família.

As casas fecharam, os prédios foram remodelados ou demolidos, os espólios foram desbaratados. Fotografias identificadas pelo cartão em que foram montadas transmitem-nos, a esta distância temporal, no olhar vago dos retratados, costumes e enredos por adivinhar. As cartes de visite e os cabinets oitocentistas, tão fáceis de encontrar, por baixo preço, em caixotes de alfarrabistas, são um marco da história da fotografia e um monumento ao hábito ocidental de cultivar a imagem.

Ainda que arremetidos, pelo passar do tempo, para o anonimato, todos esses fantasmas têm uma história para contar. Ou melhor, duas: a do fotografado e a do próprio fotógrafo. Fotógrafo cujo legado ao futuro não foi aparentemente além de um amontoado de rostos e de posturas, um dia iluminados pela paradoxal subjectividade da sua objectiva. [...]»

(continua no livro)








sábado, 19 de julho de 2014

RESTAURANTES E PETISCOS DE LISBOA


em LISBOA DESAPARECIDA
volume VIII
de MARINA TAVARES DIAS

«Já é altura de termos um capítulo leve – mesmo quando o jantar é pesado; e consensual – mesmo para quem não queira engordar. Falemos, pois, do mais glosado tema lisboeta: cozinha, culinária ou gastronomia alfacinha. Deixo escolha da palavra ideal à erudição do leitor. Até hoje, através da bibliografia alusiva, ela depende menos de diferenças entre livros do que da data de edição. Existem mesmo textos que, morto o autor, mudam de título para versões mais modernas e intelectuais*.

Como se dizia antigamente, «a conversa chegou à cozinha», ou seja, a elite está hoje na dita como outrora no salão. Veja-se a quantidade de artigos sobre como decorar esta parte da casa que, bem à americana, cada vez tende mais para o estilo sala-de-estar. A frase de Alexandre Dumas é mais democrática e mais actual do que parece: «As bestas devoram, os homens comem e os filósofos gastronomizam.» Gastronomizemos pois. Hoje em dia, toda a gente o faz. Mas continua a afigurar-se-me estranho fazê-lo em Lisboa.

Em matéria de petisco, o lisboeta de gema pende para o peso, não para o requinte. Perante a racional cozinha alemã ou a refinada cozinha francesa, suspiramos invariavelmente pelo calor luso. Tal mania de sabores intensos e molhinhos de refogado deve ter-nos ficado da passagem pelos Orientes. A cozinha europeia parece-nos insonsa. Vejam-se os restaurantes estrangeiros que vingaram por cá nas últimas três décadas. Dos italianos, importámos apenas, por via americana, massas e pizzas. Dos gregos, rejeitámos mesmo o tradicional menu baratinho. Dos russos, fizemos coisa exótica própria de noites de folga. Dos franceses não nos interessa senão o sempre igual entrecosto. Em compensação, aderimos em massa a paladares distantes, desde que mais fortes: africanos, brasileiros, indianos e chineses.

Na realidade, na Lisboa de 1800 existiam duas cozinhas: a do paço e a outra. Ou seja, a dos cardápios redigidos em francês e a que se servia nas tabernas e à mesa do povo. Até que, no último quartel do século XIX, uma geração de intelectuais esclarecidos e de cozinheiros célebres ao seu serviço resolveu fazer, em papel impresso, aquilo que, na prática, há séculos se fazia nos conventos: casar as duas e dar à luz a «gastronomia tradicional portuguesa». Para gáudio de todos [.../...]»

(continua no livro)



quarta-feira, 16 de julho de 2014

REI D. CARLOS I : uma vida em datas

CRONOLOGIA
DA VIDA DO 
REI D. CARLOS

por MARINA TAVARES DIAS
em: D. Carlos (biografia)




1863

28 de Setembro: à uma e meia da tarde nasce o príncipe D. Carlos Fernando Luiz Maria Victor Miguel Raphael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis José Simão, na Sala Verde do Palácio Real da Ajuda, em Lisboa. O pai, D. Luís, foi aclamado Rei de Portugal (por morte do irmão D. Pedro V) menos de dois anos antes. A mãe, Rainha D. Maria Pia, é a filha mais nova do Rei de Itália. O médico obstreta assistente da então tradicional parteira (Narcisa) foi José Eduardo de Magalhães Coutinho.

29 de Setembro: «Te Deum» solene, na Igreja de S. Domingos, pelo nascimento do príncipe real.

19 de Outubro: O baptismo, feito no paço no dia do nascimento, é oficialmente confirmado na Igreja de S. Domingos, local onde tradicionalmente decorrem as celebrações religiosas da Família Real. A madrinha, por procuração, é a irmã da mãe: princesa Clotilde de Sabóia.



1864

11 de Fevereiro: Reconhecimento de D. Carlos como sucessor de D. Luís, em reunião das Cortes.



1865

31 de Maio: nasce o infante D. Afonso, único irmão de D. Carlos.

15 de Setembro: viaja com os pais para o Porto, para assistir à inauguração do Palácio de Cristal (demolido em 1954) e da primeira Exposição Industrial Internacional Portuguesa, congénere de outras iniciativas europeias destinadas ao desenvolvimento das indústrias e do comércio.

27 de Setembro: o infante D. Afonso é baptizado na capela da Ajuda.



1867

9 de Outubro: inauguração da Galeria de Pintura do Real Palácio da Ajuda.



1868

12 de Abril: acompanha a mãe, Rainha D. Maria Pia, na viagem a Itália para o casamento do tio, o príncipe herdeiro Humberto de Sabóia (com a princesa Margarida, filha do duque de Génova e prima de ambos).

2 de Julho: regressa, com a mãe, a Lisboa.



1869

10 de Junho: D. Fernando, avô de D. Carlos, casa com a ex-cantora de ópera Elisa Hensler, que recebeu em Coburgo o título de condessa de Edla.

31 de Outubro: o Rei D. Luís redige testamento.



1870

17 de Abril: um grande ciclone varre Lisboa, sendo particularmente sentido no bairro da Ajuda.

16 de Novembro: o príncipe D. Carlos inicia os estudos primários, com o professor Júlio Joubert Chaves.



1871

12 de Julho: chega a Portugal o Imperador D. Pedro II do Brasil, tio-avô de D. Carlos.





1872

25 de Junho: visita o Porto na companhia dos pais.

5 de Outubro: começa a receber aulas sobre as «leis do Estado» com o conselheiro Martens Ferrão.

Novembro: participa nas suas primeiras caçadas reais, com uma pequena espingarda oferecida pelo pai.



1873

26 de Janeiro: morre a Imperatriz D. Amélia, segunda mulher de D. Pedro IV, bisavô de D. Carlos.

2 de Outubro: D. Carlos e o irmão, D. Afonso, estão prestes a afogar-se numa zona da Boca do Inferno, em Cascais, conhecida por Mexilhoeiro, sendo salvos pela mãe e pelo faroleiro António de Almeida Neves.



1875

22 de Abril: morre a Infanta D. Isabel Maria, ex-regente do Reino, filha de D. João VI e tia-bisavó de D. Carlos.



1877

15 de Abril: faz a primeira comunhão.



1878

9 de Janeiro: em Itália, assiste com a mãe ao funeral do avô, o Rei Vítor Manuel II, primeiro soberano da Itália unificada.

14 de Março: na sessão especial das Cortes, em S. Bento, faz juramento como herdeiro presuntivo da coroa.

28 de Setembro: é nomeado alferes de Lanceiros, pelo pai, o Rei D. Luís. Recebe o seu primeiro barco, o Nautilus. Nesta noite, é oficialmente inaugurada a electricidade em Portugal, em candeeiros públicos dispostos na Parada de Cascais.





1879

2 de Junho: início da visita a Portugal pelos príncipes Rodolfo e Leopoldo da Áustria.

24 de Agosto: data oficial (inexacta na prática) do início da demolição do Passeio Público de Lisboa, jardim frequentado pela realeza e nobreza lisboetas desde o tempo de D. Maria II. No seu lugar, nascerá a futura Avenida da Liberdade.



1880

10 de Junho: assiste, com os pais, ao cortejo histórico que assinala o centenário de Camões. Neste dia é inaugurado, em Lisboa, o Atheneu Comercial.



1881

21 de Novembro: início da visita a Lisboa da princesa imperial do Brasil, primogénita do Imperador D. Pedro II.

24 de Novembro: parte, com a família, para mais uma visita ao Porto.



1882

26 de Março: D. Carlos assume o seu lugar no Conselho de Estado.



1883

22 de Maio: pela primeira vez, é jurado regente do reino, assumindo-se como tal durante uma viagem dos pais a Espanha.

2 de Junho: parte em viagem pela Europa, acompanhado de Martens Ferrão e António Augusto de Aguiar.



1884

5 de Fevereiro: morre a sua tia Maria Ana (casada com o príncipe Jorge, futuro rei de Saxe).

28 de Setembro: por sua maioridade, recebe a administração da Casa de Bragança, único morgadio ainda permitido em Portugal. D. Luís e D. Maria Pia começam a sondar as casas reais europeias, em busca de uma princesa para noiva do filho.

16 de Novembro: a Infanta D. Antónia, tia de D. Carlos, comunica não oficialmente ao irmão (D. Luís) a recusa duma proposta de casamento entre D. Carlos e a princesa alemã Victoria, irmã do futuro Kaiser Guilherme II. A mãe desta, filha mais velha da Rainha Vitória de Inglaterra, justifica-se com o facto de a família imperial alemã professar o protestantismo. D. Antónia sugere, como alternativa, «a Paris, pois é deveras uma rapariga muito galante» (refere-se à filha dos condes de Paris, futura noiva de D. Carlos que, aparentemente, aceita à partida a sugestão da tia).





1885

20 de Setembro: participa, com o Rei D. Luís, nas grandes manifestações lisboetas aos exploradores Capelo e Ivens.

15 de Dezembro: morre, no Palácio das Necessidades, o Rei D. Fernando, viúvo de D. Maria II e avô de D. Carlos.





1886

17 de Janeiro: parte para França, onde conhecerá pessoalmente a princesa Amélia de Orleães, filha dos condes de Paris

6 de Fevereiro: pedido oficial da mão da princesa D. Amélia.

7 de Fevereiro: ceia de gala no palácio dos condes de Paris, celebrando o noivado.

22 de Fevereiro: parte com a família da noiva para Cannes, onde fica até 5 de Maio.

20 de Maio: D. Amélia chega a Lisboa, desembarcando em Santa Apolónia.

22 de Maio: casamento, na igreja de S. Domingos, de D. Carlos com a princesa D. Amélia de Orleães.

22 de Junho: decreto do parlamento francês, expulsando de França todos os descendentes de famílias reais outrora reinantes no país. A decisão incliu os pais da Rainha D. Amélia e aparece ligada aos excessivos festejos do casamento desta com o príncipe real português.



1887

12 de Janeiro: início da visita do pai de D. Amélia, o conde de Paris, a Portugal.

21 de Março: nascimento do primeiro filho de D. Carlos e D. Amélia, duques de Bragança, o príncipe D. Luís Filipe.

27 de Março de 1887: chegada da Infanta D. Antónia, tia de D. Carlos, a Lisboa. É a sua primeira visita desde que, em 1861, embarcou na corveta Bartolomeu Dias com o marido, príncipe Leopoldo de Hohenzollern, rumo a Sigmaringen.

11 de Junho: D. Carlos e D. Amélia embarcam para Inglaterra, onde assistirão às celebrações do jubileu de ouro da Rainha Vitória.

14 de Dezembro: nasce, no Paço de Vila Viçosa, a infanta D. Maria, filha de D. Carlos e de D. Amélia. Morre duas horas após o parto.

17 de Dezembro: cerimónias fúnebres pela infanta D. Maria, no panteão real, em S. Vicente de Fora.





1888

1 de Janeiro: ausência do Rei D. Luís no acto solene de abertura das cortes, por motivo de doença.

25 de Março: a Rainha D. Maria Pia viaja para o Porto, para apoiar as famílias das vítimas do incêndio do Teatro Baquet, ocorrido cinco dias antes.

13 de Maio: início da visita do Rei Óscar II da Suécia.

10 de Junho: D. Carlos obtém quatro menções honrosas pelo gado apresentado na Exposição Pecuária Nacional de Lisboa, na Rotunda da Avenida da Liberdade.

30 de Julho: D. Carlos é jurado regente, enquanto seu pai se ausenta para uma cura termal na Áustria.





1889

3 de Janeiro: D. Carlos e D. Amélia visitam os pais desta, exilados em Espanha.

11 de Maio: o Rei D. Luís condecora D. Carlos como Cavaleiro da ordem Militar de S. Bento de Aviz.

19 de Agosto/17 de Setembro: D. Carlos visita Itália e Paris.

26 de Setembro: morre, no Palácio das Necessidades, o infante D. Augusto, irmão do Rei D. Luís e tio de D. Carlos.

19 de Outubro: o Rei D. Luís morre aos 50 anos, após longa e dolorosa agonia, na cidadela de Cascais.

15 de Novembro: nascimento do terceiro filho de D. Carlos e D. Amélia, o futuro Rei D. Manuel II.

7 de Dezembro: chegada do Imperador D. Pedro II a Lisboa, após ter sido deposto por um golpe militar que implantou a República no Brasil.

28 de Dezembro: D. Carlos é oficialmente aclamado Rei de Portugal. 
[.../...]


 (CONTINUA NO LIVRO. EDIÇÃO
  QUIMERA, 2007/2008. Nas livrarias)

ATENÇÃO: 
SE QUER UM LIVRO, PERGUNTE POR ELE. NÃO DEIXE QUE SEJAM AS LIVRARIAS A DECIDIR O QUE DEVE LER. As livrarias só repõem os livros esgotados depois de terem vendido aqueles cujas editoras compraram destaques ou «topos de gôndola». Não espere encontrar livros bons. Espere encontrar livros muito vendidos, através da promoção e da publicidade. 
Os livros de Marina Tavares Dias podem ser boicotados, mas continuarão a vender se O LEITOR EXIGENTE os pedir e deixar de comprar nas livrarias onde os não encontra.
REMEMOS CONTRA A CORRENTE DA MAIS-VALIA DE QUEM PAGA PARA NOS TER COMO CARNEIROS. Também nos nossos hábitos de consumo. Sobretudo nos nossos hábitos de consumo. Obrigado a todos os nossos leitores fiéis.




Negativo de JOSHUA BENOLIEL, 
mostrando o Rei a rir. 
Imagem raríssima, inédita para este livro, do 
ARQUIVO MARINA TAVARES DIAS

terça-feira, 15 de julho de 2014

JÚLIO CÉSAR MACHADO
por
MARINA TAVARES DIAS

Quando Júlio de Castilho nascia para as letras, nelas fazia já carreira consagrada Júlio César Machado. A sua fama e o seu prestígio andaram desde sempre ligados ao género literário mais frequentado do século XIX: o folhetim periódico.

Antes da telenovela, da fotonovela e da radionovela; antes das fascículas vendidas ao domicílio nos prédios de rendimento, a tiragem dos jornais contava com um aliado de peso que fazia suspirar a família inteira: o enredo do folhetim com presença cativa no rodapé da segunda página. Machadinho, com era conhecido no o meio jornalístico, especializou-se nestas novelas que continuavam para o dia seguinte, granjeando nelas a notoriedade com que, mais tarde, transformaria em êxitos rápidos os seus livros e outras publicações.

Sem ser propriamente um olisipógrafo investigador, Júlio César Machado foi a mais atenta testemunha da cidade do seu tempo, dos seus hábitos, manias, locais de culto e de maledicência, das suas alegrias, tristezas, martírios e superstições. Enquadrando cada novela num verdadeiro fresco de figuras típicas em cenários célebres, a sua escrita, como nenhuma outra, coloca o leitor em pleno Passeio Público ou em pleno Café Marrare, muito mais de cem anos depois de Machadinho os ter narrado.» 

(CONTINUA NO LIVRO 
'HISTÓRIAS DE LISBOA' 
DE MARINA TAVARES DIAS )

Photographia «carte-de-visite» do ARQUIVO MARINA TAVARES DIAS. 
Fotografia actual de Marina Tavares Dias

segunda-feira, 14 de julho de 2014

OLISIPÓGRAFOS

MARINA TAVARES DIAS
em
HISTÓRIAS DE LISBOA
(livro editado em 2004):

«No princípio do século XXI, os olisipógrafos são uma espécie rara mas resistente. Padecem de doença hoje tida por hereditária. É frequente vê-los sozinhos pelos cantos das ruas, de máquina fotográfica no ar, a retratar buracos das paredes em fotografias sem o menor pendor artístico. Encontram-se por vezes nos ermos mais ventosos, sem grandes resguardos, apreciando o correr da aragem com um ar distante e desconfiado. Dá-se com eles em miradoiros de dedo em riste, contado andares a vagos prédios que mal se desenham na neblina. Mais frequentemente, apanham-se em bibliotecas e arquivos a infernizar o juízo de alguém por causa dos inúmeros documentos que, devido ao mau estado, não vêm a consulta.


Não parecem ter grande amor à vida terrena, dadas as vezes que a põem em risco percorrendo de nariz no ar os bairros mais sinistros, os antros mais infectos, as ruas outrora resplandecentes onde, hoje, se vende sexo e droga a todas as portas. Por cem vezes estiveram para levar uma tareia do cliente façanhudo da taberna da esquina, que muito justamente não quis ouvir explicações sobre a razão pela qual foi fotografado para um livro sobre casas do século XVIII. Escaparam 20 vezes da tareia por terem conseguido mostrar uma fotografia antiga em que a taberna era um palácio. Outras 20, escaparam porque foram tomados por «gajos da bófia». Contudo, a maior parte das vezes correram dali para fora tão rapidamente quanto as pernas lhes permitiram.


Uma vez no recato do lar, é vê-los embevecidos às voltas com uma concha carcomida, com desvelos de mãe dum recém-nascido, vendo homotetias dos séculos onde toda a gente vê, apenas, a supracitada concha carcomida. Possuem vasta biblioteca basicamente em auto-gestão, com recortes e «plantas conjecturais» amontoados a eito, cheios de poeira e de ácaros, prejudicando gravemente a saúde de qualquer criança que, não sendo herdeira directa, não esteja imunizada ao inigualável pó de Lisboa.»

(continua no livro)





domingo, 13 de julho de 2014

PHOTOGRAPHIAS, PHOTOGRAPHIAS, PHOTOGRAPHIAS



Cada fotografia é um testemunho. Cada testemunho tende para a certidão de uma morte. Quando a fotografia excede a interioridade do fotógrafo no reflexo da época fotografada, é difícil enumerar todas as mortes que acumula a partir do momento que retratou.

Este livro é, simultaneamente, uma narrativa de muitas mortes e de muitos renascimentos. Como uma cidade. Poderia tê-lo chamado "As Melhores Fotografias de Lisboa", partindo do pressuposto que todos os livros reflectem, também eles, uma interioridade. De facto, estas são, entre as imagens encontradas ao longo de dez anos, as que se me afiguram mais dignas de contar a história da cidade no início deste século. As melhores fotografias de uma cidade não são, obviamente, as melhores obras fotográficas realizadas localmente, mas as que desencadeiam, por si, uma narrativa qualquer com ela como força centrífuga. A explicação das páginas pares pretende situar o leitor do ponto de vista do olisipógrafo, em vez de as submeter ao espectador neutro. [...]

MARINA TAVARES DIAS
in
PHOTOGRAPHIAS DE LISBOA (prefácio)





sexta-feira, 11 de julho de 2014

SANTA CATARINA: uma freguesia eliminada da toponímia

O modo como as freguesias de Lisboa foram recentemente aglutinadas, dando-se ao «bolo» nova designação conjunta, quase sempre foi aleatório e sem qualquer respeito pela História e pela cronologia olisiponense. Exemplo disso, a emblemática, imprescindível, ancestral Freguesia de Santa Catarina. 

Desaparecida.

A freguesia de Santa Catarina, autónoma desde o século XVI, possuía tradições enraizadas na noite dos tempos. Santa Catarina do Monte Sinai, ou de Alexandria, dá também nome a uma das colinas da cidade. E a um dos pontos de onde melhor e mais belamente se observa o estuário e a outra banda do Tejo: o Alto de Santa Catarina. 

O seu território [...] abrangia a encosta que desce do Príncipe Real até à antiga Boa Vista. As origens do topónimo remontam a 1218, quando D. Afonso II doou aos frades trinos, vindos de França para ajudar a combater os mouros, uma ermida, com leprosaria anexa, para os lados de S. Roque. Mais exactamente, onde hoje vemos o pátio da Cervejaria da Trindade, na Rua Nova da Trindade.

[...]



Para compreender esta enorme, crescente e espontânea influência duma devoção [...], convém que saibamos reconhecer o papel primordial de Santa Catarina de Alexandria na hagiologia europeia, nos largos anos que vão da fundação da nacionalidade até ao final do século XVIII. Para tal, teremos de deixar para trás aquilo que pertence à verdade e aquilo que pertence à lenda, entrando no domínio das escassas coisas que, pertencendo a ambas sem pertencer a nenhuma, só podem ser compreendidas ao abrigo da crença.

De acordo com a Legenda Áurea, Catarina de Alexandria era filha de um irmão do imperador Constantino, de nome Costus. 
[...]

Quando Catarina contava catorze anos, o rei seu pai morreu, deixando-lhe tudo em herança. Coroada pelos súbditos mais distintos, foram estes inquirindo que marido tomava para si, tendo em vista a desejada protecção de suas terras. Para espanto geral, a jovem soberana garantiu que pretendia governar sozinha. Um dos duques seus tios, realçando-lhe as qualidades, sugeriu que não poderiam os deuses tê-la assim beneficiado se não tivessem em vista gerações posteriores. Catarina imediatamente retorquiu que seria natural que assim fosse, caso o marido designado lhe pudesse ser igual ou superior em todas as qualidades. A mãe e os maiores do reino recuaram em desalento, pois tal coisa era impossível de se conseguir num homem que vivesse sobre a terra. [...]

Continua no livro LISBOA MISTERIOSA
de
MARINA TAVARES DIAS
(edição Objectiva, 2011)





domingo, 6 de julho de 2014

A MINHA FEIRA POPULAR

POR
MARINA TAVARES DIAS

no volume 9 da
LISBOA DESAPARECIDA
(2007):

«Muito pouco do que serviu a produção do primeiro volume da Lisboa Desaparecida, em 1987, subsiste hoje em dia. Foram-se as laudas para mandar compor o texto, as 'saídas' em papel para emendar as primeiras 'gralhas', as fotocópias ampliadas das fotografias que entravam, o cesto de papéis para onde cortava os bocados de prosa excedentários, as enormes maquetes em que, folha a folha, linha a linha, eu e a paginadora emendávamos, coligíamos, apurávamos, marcávamos espaços de fotografias e de legendas. Foram-se os filetes da tipografia, a raspagem dos fotolitos, as emendas à mão nos originais mais estragados e os remendos nas chapas riscadas. Até a máquina de escrever Hermes Baby, com o seu teclado HCEZAR orgulhosamente nacionalista, deve ter ficado em alguma das muitas moradas que entretanto percorri. 

Agora, os textos seguem por mail e as fotografias são digitalizadas. Pagina-se no computador com o último programa disponível. O resultado final sai em cd: ficheiros com uma terminação qualquer. A produção dos livros perdeu definitivamente a graça. Parece que não se põe as mãos em nada. Nada, excepto esta mesa onde, como em 1987, continuo a estender as fotografias para cada texto. Esta mesa desmontável, de tampo em fórmica amarela, com pés de alumínio que se dobram para dentro e um design de 1970 subitamente no pino da moda. Sempre que estou a acabar os textos para um livro, monto-a ao lado da secretária e recomeço a espalhar-lhe as fotos em cima. É a 'mesa da paginação' de todos os volumes da Lisboa Desaparecida. Passo a apresentá-la aos leitores: esta é a mesa que vos liga, sem que o soubessem até agora, à minha Feira Popular.

Tal como todos os miúdos lisboetas, também tive uma versão exclusiva do imenso universo da Feira Popular. A minha versão incluía o carrossel de dois andares e excluía os carrinhos de choque, incluía o comboio fantasma e excluía o poço da morte, incluía as farturas e excluía a sardinha, incluía ir ao Café de Pretos e excluía passar pelas loiças, incluía os furos e excluía as rifas das panelas. Mas houve uma excepção, por volta de 1970. A voz irritante do megafone anunciava qualquer coisa no «stand» das panelas que tinha a ver com 'brinquedos da moda'. Lá terei arrastado os meus pais, lá teremos comprado duas ou três rifas, lá teremos dado as voltinhas necessárias para fazer tempo e saber se eram ou não premiadas. Nessa longa noite, voltámos para casa de metro com esta mesa toda janota, não tão pequena como isso, de pernas desdobráveis e um amarelo então no rigor do bom gosto vigente. Perante tal prémio pela módica quantia de cinco escudos, a minha tia resolveu logo ir à Feira na noite seguinte, 'para ver se a sorte grande também me sai a mim'. Ainda estou para saber como conseguiu que lhe saísse uma mesa igual, em azul.

Ao longo do resto da infância, a mesa amarela cruzou-se comigo lá por casa: ora ajudava as criadas a descascar batatas na cozinha, ora exibia as conchas trazidas da Caparica no Verão, ora era suporte do presépio de Dezembro, ora espreitava lá do canto do quarto, pelo canto do tampo intensamente amarelo. Cresci com ela, 'a mesa das rifas é tão pirosa', e fui ganhando posse do seu pequeno território à medida que os adultos resvalavam para outras modas: o laranja dos anos 70, os dourados dos anos 80. Parti com ela pelas casas fora, numa cidade cada vez mais vazia e triste, até o poiso de onde vos escrevo. Eu, autora de um título que celebra 20 anos – passa a ser pleonástico dizer-vos que estou velha – e ela, mais desbotada mas ainda amarela, com ferrugem nas dobradiças, bamba de um dos lados e muito útil ainda. Aqui, as duas a partilhar a caneca do chá, com as fotografias perigosamente próximas. Se não confiasse nestas dobradiças tão usadas, neste monta-desmonta sempre categórico, sempre a meu mando, confiaria ainda as minhas Lisboas Desaparecidas à mesa das rifas da Feira Popular?


Este volume nono parte, pois, de uma Lisboa Desaparecida pessoal. Parte desta tampa amarela projectada no tempo e no espaço como um objecto cujas origens são incertas e cujo passado se perdeu de vista. Esta é a primeira Lisboa Desaparecida que escrevo após o encerramento da Feira Popular. Por isso, começo agora a partir da banca de trabalho. Não preciso de ir mais longe para lançar o tema sobre o qual escrevo. Uma feira enorme, uns olhos de criança a perderem-na de vista, a mesa de tampo amarelo e o monte de fotografias. Cá vamos no carrossel do tempo. [.../...] »

(CONTINUA NO LIVRO)



quinta-feira, 3 de julho de 2014

FERNANDO PESSOA, ALMADA NEGREIROS E O RESTAURANTE IRMÃOS UNIDOS





Foi para decoração das paredes do Restaurante Irmãos Unidos, pertencente à família de Alfredo Pedro Guisado, que Almada Negreiros pintou a primeira versão do seu retrato de Fernando Pessoa (1956). Ao lado do quadro estava, na altura do encerramento (1970), uma placa de mármore com o nome de todos os fundadores da revista ORPHEU. Ficou à guarda da Câmara de Lisboa, e desapareceu até hoje.

O quadro, de que existe cópia posterior e «invertida» (de 1964) na Fundação Gulbenkian, foi adquirido pelo banqueiro Brito e oferecido ao município. Com a sua venda, em 1970, as obras de Almada subiram, no valor de mercado, para mais do quádruplo. Alguns jornais admitiram que a licitação desta peça iria determinar o futuro valor dos inúmeros quadros de Almada em certas colecções privadas. Pouco tempo depois, a Brasileira do Chiado venderia igualmente as telas deste pintor que ornavam as suas paredes desde 1925.

O quadro de Almada seguiu para o Museu da Cidade, mudando de morada quando este passou do Palácio da Mitra para o Campo Grande. Ultimamente, foi tirado ao acervo do Museu da Cidade para adornar a chamada «Casa Fernando Pessoa».

Não consta que Fernando Pessoa apreciasse os retratos pintados por Almada Negreiros, tendo sido pouco cordial para com o «colega» logo na primeira exposição deste. Apreciava-lhe a escrita, o que é outra coisa, bem diversa.

Almada, por seu turno, nunca ousou pintar ou desenhar Pessoa enquanto este estava vivo. O primeiro retrato pessoano que fez data... do dia do funeral de Pessoa.


Pormenor de página de 'O Rossio pelos Olisipógrafos' 
de MARINA TAVARES DIAS. 
Entrada do Hotel Francfort e, 
ao lado desta, o Restaurante Irmãos Unidos.


terça-feira, 1 de julho de 2014

Glórias do PARQUE MAYER


Páginas da adenda ao capítulo sobre a história do 
PARQUE MAYER, na 
LISBOA DESAPARECIDA, 
volume 9, 
de MARINA TAVARES DIAS. 
A lista das revistas em cena até 1977, coligida pela autora.
Publicamos apenas algumas páginas dessa vasta lista; para
ver todos os anos, será preciso consulta do livro.